Folhinha: Conheça os Irmãos Villas-Bôas, que se 'infiltraram' em expedição e mudaram pensamento sobre indígenas

Por Emerson Souza, editor de Tv Indígena Brasil e entrevistado da folhinha. 


A convite da Assessoria da FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo) fui convidado para falar um pouco sobre a vida dos irmão Villas Boas, embora seja polemica, foi preciso refletir sobre o momento atual e o passado dos irmãos frente as questões indígenas. Neste sentido a reportagem e o que enviei são importantes para compreender a matéria como um todo. 

Segue as questões que enviei e a reportagem publicada na folhinha do dia 09/03/2023. Importante também pensar que 2023 é o ano que Luiz Inácio Lula da Silva toma posse em seu terceiro mandado e como os jornalistas e grupos de comunicação de massa olham para os pesquisadores indígenas. 

Veja as perguntas na integra e compare com o link da materia: 

1- O que foi a Expedição Roncador-Xingu e por que ela foi organizada?

R: A década de 1940 era permeada pela presença de uma política indigenista que chamamos de Serviço de Proteção ao Índios, criada em 1910.

O serviço de proteção aos Índios teve até a década de 1940 a presença de inúmeras figuras que posso destacar aqui Marechal Rondon como forte protagonista do modelo até então adotado., diga-se positivista. Rondon esteve à frente da instituição desde sua criação até 1930.

Na década de 1940 Marechal Rondon se configurava como sertanista a frente de inúmeras ações. A década de 1940 é uma década importante pois se configura com a presença de um dos maiores Antropólogos da História do Brasil, Darcy Ribeiro que além de criar o Museu do Índio no Rio de Janeiro, diga-se inaugurado, por ele no dia 19 de abril de 1953, traz um olhar ao órgão de uma política indigenista ligada ao conhecimento científico. Darcy Ribeiro se destaca ao órgão na década de 1940. Importante destacar que a política desta década e as expedições passam por uma mudança de postura com Darcy Ribeiro que inaugura um olhar da etnografia e etnologia indígena, ou seja, as pesquisas realizadas nas expedições se configuram como um modelo de pesquisa em que todo o material é colocado como parte de um processo de descrição importante para os contatos com as recém etnias destas regiões.  Os irmãos Vilas Boas iniciam suas descobertas no indigenismo brasileiro neste contexto. Diga-se sob a presidência, de Getúlio Vargas que cria o dia do Índio em 1943, mas sob forte pressão já que o dia do índio é conhecido e referendado no congresso interamericano no México três anos antes, por pressão de indigenas de várias partes da América.

2- Para alguns, os indígenas eram considerados “obstáculos” da expedição. Por que você acha que havia esse pensamento?

R: Como disse a corrente positivista era quem dava o tom ao modelo de indigenismo do SPI, o objetivo era de integrar os indigenas a sociedade Nacional, por outro lado as diversas etnias que estão hoje neste local, vivem em uma região quase intocada, talvez seja um dos lugares mais bonitos do Brasil. As inúmeras etnias desta região vivendo de forma interétnica nos faz repensar o bem viver dos povos indigenas. Hoje parte dos indigenas conhecem a sociedade brasileira e como percebem a destruição causada por este modelo de civilização nestes últimos 100 anos em várias partes do Brasil.

Eles têm garantido a biodiversidade da região, mantido a língua e suas tradições e mesmo conhecendo a estratégia de integrar, e, diga-se são, eles que devem decidir se essa troca é boa ou não para eles. Aliás as trocas culturais jamais deixaram de existir, afinal esses povos trocam com outras culturas a muitos séculos. Talvez estejamos em momento da história em que os próprios indigenas irão construir a política indígena do Brasil, criada pelos próprios indigenas e suas comunidades.

3- Quais eram os obstáculos reais e as principais dificuldades dessa expedição? Conte um pouco dos desafios enfrentados pelos envolvidos.

R: Eu diria que o proposito do Estado era de fomentar uma forma errônea de tratar os indigenas na categoria do passado, diga-se isto não é novo. Os indigenas continuam sendo tratados como um entrave a sociedade nacional, ou seja, ao modelo de indigenismo que era dar aos índios o progresso e assim ir aos poucos substituindo suas línguas e culturas pelo modelo europeu. Certamente o que queriam Darcy Ribeiro e os Irmãos Vilas Boas eram exatamente o contrário, eram mantê-los em um território em que pudessem continuar com suas tradições, os Vilas Boas tiveram contato com inúmeras culturas nesta região e de certa forma puderam registrar o contato com essas línguas e modos de ser. Ao mesmo tempo mostram ao mundo que essa maneira de proteção aos índios é importante em um momento em que a cobiça por suas terras podem dizimar de forma instantâneo outros povos como os Yanomami.

4- Quem foram os Irmãos Villas-Bôas e qual a relação deles com a Expedição?

R: Os Villas Boas perceberam nestas expedições que as plantas, os rios, as florestas, os animais, pássaros e outros modos de vida que os indigenas conhecem estão em sintonia com o que chamam de natureza. A expedição pode registrar em inúmeras imagens a forte ligação das diversas etnias com esses outros seres. Talvez seja isso que os manteve na luta para a preservação desta região. 

5- E qual a relação deles com o Marechal Rondon?

R: Marechal Rondon esteve de uma forma ou de outra a frente do órgão de Proteção aos Indigenas, saiu do cargo de chefe do SPI por divergências com Getúlio Vargas. Mas nunca deixou de atuar no órgão e neste contexto que conheceu os sertanistas participando da expedição Roncador Xingu.

6- Os Irmãos Villas-Bôas são muito elogiados por sua relação com os indígenas. Por quê? O que eles fizeram de tão diferente e tão importante?

R: Além de mapear uma extensa região, os Villas Boas contataram inúmeros povos indigenas. Neste local ainda preservado pelos indigenas estão inúmeras etnias, (16), inúmeros troncos linguísticos, em uma região que possui mais de 2.600 hectares. Darcy Ribeiro e os Irmão Villas-Boas foram protagonistas na criação da região que se chama de Parque Nacional do Xingu, diga-se muitos, indigenas questionam o nome “parque”. Mas importante aqui é frisar que independente da mudança de nome que os povos indígenas certamente irão alterar em breve como fizeram na Funai – Fundação Nacional do Índio, que substituiu o SPI em 1967 e neste momento (2023) foi alterado para Fundação Nacional do Povos Indigenas. Quem dera eu que a mudança de nome pudesse desaparecer o racismo e preconceito contra os povos originário. Eu diria que os Villas-Boas tinham a certeza de que essa sociedade dita civilizada jamais compreendeu a forma e a relação que os indigenas possuem com a natureza, que pena.

7- O que a filosofia “O índio só sobrevive na sua própria cultura”, atribuída aos irmãos, significa?

R: Neste momento percebo a relação que os indigenas possuem com a terra. É uma filosofia de vida atrelada a muitas outras redes de significado. Seus territórios ao se depararem com a ganância perturbadora que o capitalismo outrora os submete, traz a ânsia de um contato com outras culturas como essa que hoje temos. O homem etnocêntrico acredita fielmente na maneira que vive, destruindo e trazendo morte a muitos povos. A filosofia do Bem Viver dos povos indigenas está atrelada a noção de território, e neste território não se vive só, vive sob a égide de outros povos, de outro modo de compreender a relação com seres e outros mundo. O homem de hoje dito civilizado desconhece por que sua relação com outros de vida deixou de existir a muito tempo no arranha céu das grandes cidades.  Sendo assim, os indigenas trocam com outras culturas sem deixar de ser o que são, sem deixar de conhecer e transformar a seu favor outras formas de conhecimento. Existe aqui uma profundidade enorme e uma diferença terrível entre a maneira como os indigenas vivem e se relacionam com o mundo. Espero um dia que as grandes cidades percebam o abismo que criaram.

8-Por que e como os Irmãos Villas-Bôas sugerem a criação do Parque Nacional do Xingu?

R: Esse território foi um dos primeiros homologados na história do serviço de proteção aos Índios em 1961, é de suma importância para os direitos indigenas, diga-se em um momento difícil da história de muitos povos aqui no Brasil. Existe um contexto de época, o órgão  passava por inúmeras denúncias de genocídio em varias regiões, neste sentido a homologação deste território nos traz a lembrança de dias melhores, quando se volta a terras sem demarcação a muitos anos, principalmente em territórios como o do Xingu intactos e que demonstram o quanto os povos indigenas preservam regiões imensas deste planeta.

9- Como eles conseguem convencer o governo a criar o parque?

R: Ele foi criado por Darcy Ribeiro, mas os irmãos Villas-Boas tiveram muita participação

10- O que é o Parque Nacional do Xingu? E qual a importância dele naquela época e hoje em dia?

R: Podemos dizer que seu entorno já está comprometido, existe um processo de ocupação do entorno dos territórios indigenas, bom saber que a importância é enorme já que possui um ecossistema enorme quando pensamos nos demais povos que lutam pela demarcação de suas terras como os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul ou os Xokleng em Santa Catarina.

11- Dá para visitar e conhecer turisticamente o parque?

R: Como já foi dito, os próprios indigenas da região não aprovam o nome parque, dá se a impressão de um local de visitação aberta aos turistas. O fato é que é um território em que muitas etnias  estão preservadas a centenas de anos. E desde que as lideranças locais autorizem a entrada de pessoas, existe uma questão burocrática que a própria Fundação nacional do Índios possui como regra. Mas a principal é perceberem que muitos indígenas não tiveram contato com a população das grandes cidades e muitos deles possuem suas próprias formas de Bem Viver. Bom é que essa sociedade perceba que as diferenças existentes entre as diversas culturas não é sinônimo de exótico. O que se precisa saber é que os indigenas possuem suas próprias culturas e modos de ser, de viver e se relacionar com o mundo das grandes cidades. E que o que se pode fazer neste momento é ter contato com essa diversidade e compreendê-las de forma a deixar de lado os preconceitos e racismo existente contra muitos povos nos últimos séculos.  

Veja como ficou a reportagem e edição: 

https://www1.folha.uol.com.br/folhinha/2023/02/conheca-os-irmaos-villas-boas-que-se-infiltraram-em-expedicao-e-mudaram-pensamento-sobre-indigenas.shtml 

Sobre o editor: https://emersoneos.blogspot.com/


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TVIndígena São Paulo é uma associação de profissionais indígenas independentes de diversas aréas do conhecimento que tem como objetivo principal estimular o debate das questões indígenas no Brasil. Promovendo discussões, onde as diversas comunidades indigenas no Brasil estariam utilizando as tecnologias que facilitam a interatividade como a Internet no esclarecimento de seus direitos constitucionais conquistados nos ultimos anos. Com isso, esperamos dar nossa contribuição em defesa de direitos indígenas e esclarecendo a Sociedade Brasileira.

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